domingo, 29 de julho de 2007

GESTA

1
TUDO O QUE ÉS

Nada te fende.
Fui ontem a palavra
rasos silêncios
repletos de falas
ecos, murmúrios
visitações, acaso
sombras todas
enormidades.

Em ti, a vida flui
néctar espesso
hóstias de luz
sobre a tarde marrom.
Te vertes.

Em mim,
sou tudo o que és.

Livraria da Travessa, 20/03/2004 – 19h25

2
MEU SILÊNCIO

meu silêncio
tua palavra

meu beijo
tua casa

vasos raros
partidos
espalhados

o que somos?
vivos abraços
livros
cascas
mãos e fala.

enredo-me.
escorre o rio.
a vida arde.

palavra
é tudo.

23/03/2004 – 1h35

3
QUE É TEU CORPO

Que é teu corpo
senão a vinha,
teu cálice a entornar
a terra.

Que temos de lonjuras,
ermos paraísos de água,
falsos lemes em quilhas
partidas.

Que temos de breve
que não se consome,
fábula a recitar seu nome,
a enorme vida a passar.

23/03/2004 – 18h28

4
DE SÂNDALO TUA TÚNICA

De sândalo é tua túnica,
lúdica tempestade ao começo.
Verto quanto é chuva,
nuvem, meu elemento
o teu intento intenso.

Nada mais te dissipa.

24/03/2004 – 00h07

5
SE ME VISITAS

Se me visitas,
povoas de carne
a centelha úmida,
favo sobre tua boca
silente,
gesto de penumbra
e ócio.
Vagas, em ondas
que alisam o pêlo,
voz que preenche
vácuos,
teu olho a riscar
o vidro.
Me dás sempre
a certeza de não estares
senão à espera.

24/03/2004 – 10h54

6
SEM MANHÃS

Sem manhãs, amanhecemos sóbrios.
Sobre nós, os lagos se arremetem,
planuras refletidas, imensuráveis.
Frutos de luz,
branca lua.
Auroras, brumas,
manhãs imensas.

24/03/2004 – 21h23

7
ALGUM SENTIDO
Façamos então
algum sentido:
rotulemos com palavras
o vazio.

Tavinho Teixeira

O silêncio cala a noite
estrelada.
Nenhum vestígio de palavra.
Tua vastidão é absurda.
Te colhi a concha das mãos
ao ouvido.
A voz naufraga
ao ermo.

24/03/2004 – 00h36

8
POSSUIR

Dê-me o desejo de possuí-los
belos como seixos
lisos como âmbar
tardes ao relento
e vozes sussurradas.

Deixe-me devolver teus pertences
vidas em relevo
fomes viscerais
longas noites sem estrelas.

Vivemos ao relento
de coisas esquecidas.
Quanto mais nos pomos a esperá-las,
mais nos vemos sem elas.

30/03/2004 – 20h29

9
ANTES DO SILÊNCIO

Antes
havia um silêncio
que eu não conhecia.
Um murmurar,
lento girar de olhos,
visões de cânticos,
vozes dentro de uma circunferência
de fogo.
Havia um silêncio tocado
pela espera,
um templo encerrado em pedra,
um oco não preenchido
por pétalas,
atento a um marulhar
de conchas,
vento por entre folhas.
Erguemos um jardim
para a última paisagem
que nos perpetue
além de nós.

17/04/2004 – 17h24

10
PAISAGEM SUBMERSA
Só o que está perdido é nosso para sempre.
Mário Quintana

Em que paisagem submerjo
de esperas consentidas?
Tudo resta após passarmos
lentamente.
Nada deixamos interminado.
Teu gesto se completa
mesmo interrompido.
A permanência de tua mão.
Todas as coisas são eternas.
Até o que se perdeu.

25/04/2004 – 14h02

11
NADA
Para Afonso Henriques Neto

Nada é teu.
Tudo voa.
Ergues um abismo de nadas.
Vives, sôfrego, partindo sempre,
voz emudecida de adeuses.
Virão todos sobre teu corpo
transmudado,
flores tímidas, noites roucas.
Seremos qualquer coisa além dos píncaros,
luzes foscas a beber as horas.
Vertes no silêncio a paisagem,
horizonte vivo a habitar os olhos.
Livros, páginas surdas,
deslizam versos sem espelhos.
Teu breve gesto ecoa:
a noite se constrói sozinha.

25/04/2004 – 17h39

12
PROMETEMOS PALAVRAS

Prometemos palavras
e devolvemos esperas.
Xícaras de chá,
tâmaras doces entre os dedos.
Mordemos a polpa e o caroço.
A vida ainda pulsa na língua
a extensão de um afago.
Te diria o que ouves de mim.
O que tenho,
acasos libertos de teu aceno.

27/04/2004 - 1h38

13
LEITOS DE MAR

Que perda de vida viver somente uma vez.
A vida se duplica ao acrescentarmos mais sentido a ela.
Vivemos a profundidade do mar num coração de vidro.
Cavalgue o deserto de algas e plante sua alma junto ao rio.
Vivemos uma perda de tempo
Onde a vida busca seu reflexo sobre a miragem.
Uma face vê a outra face.
Uma vida contém a outra vida.
E o mar cobre a profundeza da alma, irreduzida.

10/05/2004 – 22h53 (tradução)

14
SAISON

Saison en enfer,
saison.
Tempo úmido de pétalas,
flores púbicas,
céus-da-boca.
O que entorna é água do vaso
de hortênsias,
vida colhida das ranhuras
ocres de um caule
que se alonga.
Verter
verde
vertigem.
Voragem.

30/06/2004 - 22h31

15
ACROBATA
Para Nêumanne

Ouvi-lo,
acrobata da palavra,
Gaudí erguido
no gesto de Gades.
A sombra desliza
sob seus pés,
a textura móvel
de seu passo
imenso:
o poeta à mercê
do canto –
vermelhidão poente
de fugidios
lastros.

28/07/2004 – 19h57

16
O ENCANTO DO FOGO

Nem tudo que passa se esquece
raiz fincada no seio,
chão de heras pretendidas,
vertida mão sem medida.

Nem tudo que resta é bem-vindo,
pranto de tantas horas
a estremecer folhas com seu vento
com o passado ainda presente.

Nem um nem outro esquecemos,
o que fica e o que passa:
o ventre da memória tece vãos
por onde desliza a história.

Eis que se assomam os entes
que amamos e não nos deixam.
Estes, sim, são eternos
por nos amar e nós a eles.

23/09/2004 – 12h12


17
DEMI-LAC

Olhos movem-se
pupilas vêem-me
espraiam-me
em corpo etéreo
asas imaginárias
nódulos carnívoros
luz derretida
ambíguos dentes.

11/10/2004 – 11h58

18
IMEMÓRIA

Dissipa-me, larva de luz.
Colhe teus molhes
as folhas vivas,
as odes bárbaras,
os decanos santos
de tua abóbada.

Por onde for,
desces o abismo,
o talhe encurvado,
oscilante,
vívido palmo calcado
sobre a hora.

Ergue teu rosto sobre mim.
Rios escorrem de tua boca,
erupções de águas revoltas,
vendavais e torrentes.
Retomo em ti minha fúria.
Bebes de mim o néctar e a flor.

13/10/2004 – 3h56

19
NASCEMOS PARA O CAOS

I

Em minha lentidão
construí-te inteiro
fome esquecida em mim
regaço de ervas
caules perfumados
exatidão onisciente.
Pousas por sobre tardes etéreas
gamos sacrificados
orlas de teus cabelos
vicissitude de tua altura eólica
rochas bipartidas
arco sobre o mar
latitude extrema, nascedouros
cantos hiperbólicos de tua voz imorredoura.

1h44

II

Ritualizo
além da esfinge
oculta de meu rosto
em brasa
as hordas de cavalos selvagens
a galopar oceanos
distâncias vívidas
entre teus olhos escuros
grãos de mostarda
a deslizar da árvore
nascida entre os invernos.

Tua passagem de patas
de ferro infernizam planícies,
enlouquecem tântalos, catalisam cepas,
vinhas de ira e pranto,
cálices de horas embebidas,
lenços encharcados de suor e álcool,
tua febre revolta, mãos e acalanto,
vento, jasmins espúrios,
vegetação do caos,
sofrimentos côncavos embalam
o sono, vertigem, casca de árvores sagradas,
nativo odor, celebração de folhas,
leitos brancos, fontes que jorram noites,
estrelas e luas e o marmóreo perfil
do ontem.

2h00
23/10/2004


20
HÁ QUE

Há que faltar o ritmo
coisa elaborada em traço
tua vida antes de mim
e eu ante tua vida passo.

Hei de formular o canto
tão breve o dia e seu espanto:
vivemos cada momento uma vez
e só uma vez veremos tanto.

Não se espreitam os caminhos.
Nada é sem parecer.
Mesmo assim somos primeiros:
a cada dia nascer inteiro.

12/11/2004 – 10h34


21
TORNAR-SE REAL

Tornar-se real como um mito.
Entranhado ser em sua cosmogonia.

Diluir-se em terra.
Fartar-se de pão e sementes.

Tornar-se grão.
Deixar um resto de si, uma epifania.

Moldar o ser.
Fundir-se à alma antiga.

Viver no limite de tudo:
sem a própria imagem.

13/11/2004 – 14h55

22
FLORES IMAGINÁRIAS

Perfume de flores imaginárias,
flores lidas, paisagens descritas,
olhos buscam imagens, fôlego para ir mais fundo,
oceanos superpostos em latifúndios de verbos
(orar a Deus e à palavra):
renascemos, a cada poema,
para nós mesmos.

Niterói, 13/10/2004 – 22h10

23
IMAGINADO

Imagino-te
nascente, polvo iridescente
flâmula, lânguido,
mescla de sol e suor
liquefeito.

Imagino-te fábulo,
manto, força de braços
a nado,
circunspeto,
perfil perscrutado
– transcendido.

13/11/2004 – 23h41

24
TECER

Teces a paz,
a planura altiva de teu cenho
luz de jade em teu ombro.

Amo em ti o afago,
a noz, teu âmago,
casta entranha demasiada.

Vês o oblíquo olhar
de teu sonho,
veste diuturna e branda.

Talha em pedra fria,
esculpe a forma, o canto:
despe outra vez o dia.

18/11/2004 – 23h32

25
ALVURA

A manhã,
o dia extasiado.

Começo,
tempo estranho.

Vinhas, tuas mãos
ainda lentas sobre a tarde.

Verdor, palavra esguia,
a derramar-se
sobre horas secas.

Nítida paisagem:
tua vida basta, teu olhar aquoso
ao largo de tudo.

19/11/2004 – 00h09

26
IMENSO

Vivessem refletidos
a imagem e o rosto,
um único ser
amalgamado,
traço, rumor de espinhos,
pássaros novos, tantos.

Vivêssemos, árvores
copadas, pouso,
a sombra extensa
sem limite.

Éramos exaustos
e vãos,
ciclos, cânticos,
multidões.

Areia sob conchas,
indivisa,
a verter o mar a todo custo.

19/11/2994 – 00h57

27
A PROPÓSITO DE PENÉLOPE

Tece, Penélope,
o manto de Helena
para chorar a perda
de Páris.

Tece o linho do leito
para cobrir teu amado.

Tece, as mãos ágeis
– o tempo não detém o teu tear.

Chora, os dedos frágeis,
os olhos débeis,
a vida à espera.

Tece, amorosa tecelã,
a trama de teus dias
a fazer a história.

19/11/2004 – 20h08

28
INAUDÍVEL
ou momento anterior ao poema

Inaudível,
antecipado gesto.

Eis-me silente, força, frêmito,
vazante anterior à palavra,
o mar derramado.

A um passo de mim
não o ouço -
não o pronuncio.

Erguem-se a miragem
e seus olhos, turbulência
esquiva e vária,
pressentimento de aragens,
desertos cheios de nadas.

Não. Me basto ainda.
Por isso, prossigo.
Por mais que me esqueça.

26/11/2004 – 00h25

29
VIVEM SILÊNCIOS

Vivem silêncios
sobre as encostas.
Silêncios
onde há sombras
passos sobre passos
já dados.

Retrocede o olhar.
A planície te assombra.
Cúmplice,
toma o cálice que bebeste.
Se partiu, não existia.

Celebra outra vez teu encanto.
A fome e a ira.

Não seguirás só.
Outro rosto te contempla.

Escultor e escultura,
moldas o gesto e sentimento.

Vive o silêncio a sua lonjura.
O estar consigo, o vigor, a hora.

Nada te detém.

Segue vastidão afora.
Teu olho agudo sobre a escarpa.

Te precipitas.
A vida não é mais o que era.

26/11/2004 – 2h17

30
ÚLTIMO ACENO

Segue teu olhar o último aceno,
íntimo, ínfimo, novo.

Mesclam-se as dores de todas as horas,
movidas pelo caos do absurdo,
mãos que esperam,
bocas que se calam.

O pensamento
imerso em névoas longínquas,
abre-se com a lentidão de pastos,
lonjuras inatingíveis,
brandura impossível
dos mais estranhos dias.

1/12/2004 – 16h57

31
QUANDO AS MUSAS PASSAM
Para Ricardo Ruiz

Fúrias, parcas e moiras se agitam
quando as Musas passam.

Baco retorna ao Olimpo em triunfo.
Zeus, ora homem, ora deus,
persegue mulheres enfurecendo Hera.

Atena desponta do cérebro do pai.
Afrodite distribui pomos da discórdia.

Se todos os rios que acorrem ao mar Egeu
suspendessem seus fluxos,
o leito da História secaria por falta de idéias.

7/12/2004 – 17h38

32
EDIFICA

Constrói com a lentidão dos corais teu arrecife de espáduas.
Não hesites sobre o mar imenso.
Formula a palavra que se verte em teu ouvido.
Dá tempo para que aprendas. Tudo chega à sua hora.
Sem pressa.

Eis teu destino.
O que te espera dorme um sono sem mistério.
Ergue a pedra. Tua palavra.
Lapida o que encontrares.
Cada uma te abre pequenos atalhos.
Ausculta o poema, teu mapa diante de ti.

Deixa-te impregnar.
Espera.
Tudo caminha em seu passo de eternidade.

9/12/2004 – 9h01

33
NATUREZAS
Para João Luiz, Luiz Prado, Marcelo Simões, Diego Aieta,
Ricardo Montenegro, Paula Wenke e Andrea Paola

Naturezas
não escolhem motivos
apenas são.

Vão-se assim
vivos cravos carmim
amálgama lavra
verve
tudo palavra.

Meus motivos não
trafegam auroras
boreais
causais
cinéreas.

As manhãs mais antigas
são límpidos olhos
que choram.

Letras & Expressões, Letras Poéticas
15/12/2004 – 22h45

34
A POESIA TE REVELA

Salve, poeta do caos,
teus muros sobre o Nada te contemplam.
Ergo sum.
Por onde passas, os ramos se dobram.
A poesia te revela em Murilo.
Em Murilo, os anjos te protegem
com suas asas.
O doce bailar de Nijinsky,
o espectro das rosas,
o nascimento, sua pena de ouro,
Halley no céu obscuro.
Rio de modernistas,
verdeantropofagia.
34, o salto na luz.
Nele, tantos enigmas,
tantas janelas.
Nunca o erro,
nunca a despedida.
Em Murilo, tua fala.

17/12/2004 – 2h41

35
DEUSAS

Deusas frígias
frágeis musas
loucas ninfas
falsas moiras.

Eros falso
Tanatos avesso.

A vida verte
ovais moldes
de pêssegos.

Rio, 13/12/2004 – 2h49

36
PAISAGEM

Vida e seus largos campos,
ermos, trilhas revisitadas,
vãos fundos e parcos silêncios,
planícies e espraiados montes,
toda luz liberta de seu desígnio,
alcova, meticulosa fala,
berços, mãos e candelabros,
obras, livros abertos,
tessituras frágeis em remotos lenços,
invisíveis bordados, a alma despida,
visões de sonhos, paraísos ocultos,
nuvens distendidas, algum horizonte,
cumes, charcos, montanhas longínquas,
horas neutras, rostos oblongos,
vertidos cálices, vistosa chama,
laços, lagos, alguma fímbria,
madrugada extensa,
círculos na água, passos longos,
ombro, sombra, nascedouro.

Boulder, 4/02/2005 – 14h46

37
NADA COMO A DOR

Nada como conhecer a própria dor,
inalienável sabedoria,
maré vazante de palavra,
orquídea extrema.

Nada como conhecer a própria sorte,
imantado verso ondulante,
coisa esférica por fora,
coisa etérea por dentro.

Boulder, 23/02/2005 – 12h21

38
DIA SUSPENSO
estende o hálito da tarde sobre mim
Aldemar Norek

Serão motivos
o que perdemos
essa última dor conhecida
tempos depois.
Recomeçamos resgatando
o que temos feito de nós mesmos
a face rubra
a face pálida
o cálice entornado
resquício efêmero
resignado.
Gasto o chão outra aurora
a manhã ressurgida
apesar de
se
embora
toda vez seja o mesmo dia
sendo outro.

Rio, 2/05/2005 - 12h55

39
DESCIDA
Para Felipe Leprevost

Desço as escadas
para abrir a porta
do hoje –
aviso que já passou
a hora e a luz
se acende somente
mais tarde.
É possível que o dia
acabe e eu não chegue
sequer a começá-lo.

Rio, 6/05/2005 – 00h30

40
HUMANO
trava sem trégua as lutas contra o engano
onde tudo é vazio e vão e vento
..............
o que me faz humano é o que eu não sabia

Aldemar Norek

Humano é não saber direito
por onde começa o engano
essa luta sem trégua
descambo
falsa lira
vã simetria.
Não saber o que fazer
de si quando não se espera
mais nada.
Que sofrimento estranho
saber que não se sabe.
A alma ecoa no vazio
a chuva se abate sobre a laje
e a noite não finda
(é sempre noite quando se desespera).
O corpo se dobra ao vento
outra fria manhã se anuncia.

Rio, 7/05/2005 – 4h03

41
JIRAU
Para Claufe Rodrigues

É sempre uma surpresa,
a poesia:
mesmo cansados,
ao ouvi-la,
renascemos.
Mesmo que pensemos
que não, há sempre
mais espaço para ela.

Bienal, 15/05/2005 – 19h30

42
PEQUENOS PARAÍSOS
A mais célere das invenções é a palavra.
E a única permanente.

Posso não ter o tempo
que necessito,
mas construo, entre vácuos,
pequenos paraísos,
onde habito.

Rio, 16/05/2005 – 9h45

43
ORAÇÃO
Para Salete

Oro
por tudo que espero
e pelo que não espero.
Oro pelo silêncio necessário
e pela palavra.
Oro pelo sorriso e pela mágoa.
Oro por serem iguais noite e dia.
Oro pelos amores e dissabores.
Oro pelo viço, pela vida, pelo valor.
E quando todas as orações faltarem,
oro pela falta delas, para que haja
em demasia.

Rio, 17/05/2005 – 9h52

44
HABITAT
Ergo a pena
por força do hábito
Pesa o vício
do instrumento

Cláudia Fraga

Sem teu hábito,
estremece a flor:
visgo, cunho, ardor.

Sem tua mão, gesto algum
se cumpre:
fala, ode, silêncio.

Necessitas da lavra,
vestígio raro de tua dor.

Vês a sombra tardar-se,
cumpra-se, ombro, pendor.

Lágrima, vã alquimia,
vaga chama, langor.

Resta o sentido.
Nada mais virá
depois.

Rio, 18/05/2005 – 2h39